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terça-feira, 10 de março de 2015

Face-to-face: resposta imune inata das pDCs na infecção pelo dengue

Post de Diogo Kuczera e Guilherme F. Silveira
Instituto Carlos Chagas, Fiocruz, Curitiba, PR.



Face to face by MachiavelliCro.  http://machiavellicro.deviantart.com/art/Face-to-Face-412285176

         Em artigo publicado na PLoS Pathogens no final de 2014, Décembre e colaboradores do grupo de Marlène Dreux (Universidade de Lyon, França) estudaram o papel da imunidade inata, exercida pelas células dendríticas plasmocitóides (pDCs) no sensing de partículas do vírus da dengue (DV) provenientes de células infectadas [1]. Sim, parece lógico dizer que as partículas eram provenientes de células infectadas, porém um dos diferenciais deste trabalho foi mostrar que existe a dependência de contato célula infectada-pDCs para que ocorra uma ativação e posterior resposta antiviral. As pDCs secretam o interferom alpha (IFNα) em elevadas concentrações, mesmo presente em baixas porcentagens (<0,6%) na população total de células mononucleares no sangue periférico (PBMC), após estímulo proveniente de infecções virais.

Conforme mostrado no trabalho, a resposta das pDCs na presença de células (Huh7.5, BHK21, Hela, 293T e Vero) infectadas pelo DV ocorre através de uma intensa produção de IFNα dependente de TLR7, acompanhada da secreção de outras citocinas inflamatórias (TNF-α e IL-6), ISG up regulation e maturação celular. Ainda, os autores demostraram que a ativação destas células, que aparentemente são não-permissivas ao DV, seria dependente de contato célula-célula, característica esta compartilhada por outros membros do gênero Flavivirus. Esta condição foi demonstrada no presente trabalho para o vírus West Nile e também relatada na literatura para outros vírus como: HCV, HIV, LCMV e CSFV [2-6].

Durante o sensing foi observada a presença de clusters de elementos virais (proteínas pré-membrana [prM] e envelope [E]) na interface entre pDCs e células permissivas, o que ocorreu com envolvimento direto do citoesqueleto de actina das células infectadas. Na região de contato célula-célula, ocorre o rearranjo da actin network no sentido de promover o acúmulo de proteínas virais. Ainda, quando na presença de droga despolimerizadora da rede de actina (Latrunculin B) foi observado uma redução destes clusters em conjunto com uma a atenuação da secreção de IFNα pelas pDCs. Mostrando desta forma, a dependência do contato celular e da participação da rede de actina na resposta das pDCs ao DV.

Outro ponto interessante do trabalho foi que, muito embora as pDCs pareçam ser não permissivas à infecção pelo DV, os autores demonstraram (por meio de DENV RNA-specific FISH) a presença de RNA viral no citosol das pDCs (Figura 01) em coculturas com células infectadas. Apesar da presença de RNA ser discreta, este foi suficiente para gerar uma resposta significativa mediada por IFNα, com secreção de níveis na faixa dos 10 ng/mL da citocina.

 



Figura 1: O RNA viral pode ser encontrado nas pDCs, apenas quando em co-cultivo com outras células infectadas. (A) Reconstrução 3D de microscopia confocal de células Huh7.5 infectadas com DV e em co-cultivo com pDCs, após 5 horas de cultura. O RNA viral foi marcado pela técnica de FISH e é mostrado em verde, já as pDCs foram marcadas com Dil (Vibrant cell-labeling solution Dil) e é observado em vermelho. (B) Em corte da reconstrução 3D é possível observar a presença de RNA viral no interior das pDCs (seta amarela). Figura adaptada de Décembre et al, 2014, (Figure 5).

 
           Ou seja, ao entrar em contato com células infectadas ocorreria a transferência de RNA viral para o interior das pDCs pela via fagocítica. Na busca pelo mecanismo de como este RNA viral seria percebido pelas pDCs, ensaios foram realizados utilizando-se agonistas de TLR7 e TLR9 (ambos receptores endossomais responsáveis pela detecção de ácidos nucleicos) além de um antagonista de TLR7. Constatou-se que a secreção e por consequência a resposta de IFNα observada em coculturas com células infectadas ficou reduzida significativamente, quando da presença do antagonista de TLR7 (IRS661).  Desta forma, é sugerido o envolvimento de TLR7 no reconhecimento e posterior ativação e resposta antiviral montada pelas pDCs, quando em contato direto com células infectadas pelo DV.

Juntamente com o RNA viral no interior das pDCs, o trabalho aponta para a importância da glicoproteína E do envelope do DV nesta resposta. Esta glicoproteína é conhecida por exercer um importante papel na infecção da célula hospedeira. Surpreendentemente, foi observado que células transfectadas com RNA de DV contendo mutações na proteína E (o que gera partículas virais não infectivas, defectivas), induziram a mesma ativação e produção de IFNα pelas pDCs. Ou seja, partículas virais não infectivas também conseguiriam ser reconhecidas, gerando ativação das pDCs e consequente produção de IFNα.  Corroborando estas informações, verificou-se que ativação dependente de contato estaria envolvida com mecanismos de internalização, uma vez que, através da utilização de inibidores de dinamina (Dynasore) e endocitose mediada por clatrina (Chlorpromazine) foi possível inibir a resposta de IFNα das pDCs.

O dengue, após ter suas proteínas traduzidas e seu genoma replicado, passa por um processo de montagem de novas partículas virais que ocorre no RE e Golgi da célula hospedeira.  Durante a montagem de novas partículas, o envelope do DV é composto pelas proteínas de envelope (E) e a forma imatura da proteína M, conhecida como prM. A presença da prM impede mudanças conformacionais na proteína E durante o trânsito pelo ambiente ácido do TGN, o que poderia acarretar em fusões prematuras dos vírions recém formados com endomembranas da via secretora. Porém, para que as novas partículas virais tornem-se infectivas, um processo denominado maturação se faz necessário nos momentos que antecedem a saída da partícula viral para o meio extracelular. Para que isto ocorra, uma endoprotease residente no trans Golgi denominada furina é responsável por clivar o peptídeo pr, originando assim a proteína M que juntamente com a proteína E compõe o envelope viral do DV “maduro” ou infeccioso [7].

Porém, é sabido que este processo de maturação não é totalmente eficaz. Uma parcela considerável das novas partículas virais (30-40%) acaba sendo secretada sem ter a prM clivada. Esta forma imatura do vírion, embora não seja infectiva por si só, teria papel no processo denominado ADE (antibody dependente enhancement), onde anticorpos gerados contra a prM auxiliariam na internalização dos DV por células portadoras de receptores para a região FC destes anticorpos, conferindo assim infectividade as partículas defectivas [8].

O que até então não era bem conhecido é o fato de que estas partículas virais imaturas contribuiriam de forma direta para a produção de IFNα pelas células pDCs. O trabalho mostra que o uso de inibidores da furina acarretaria no decréscimo da clivagem da prM, o que gerou um aumento (dose dependente) na produção de IFNα por parte das pDCs cocultivadas com células infectadas. Ao contrário, quando da superexpressão de furina, houve um comprometimento significativo na produção de IFNα pelas pDCs.

Assim sendo, o trabalho descreve o papel de glicoproteínas virais (E e prM) e também do citoesqueleto de actina no contato célula-célula para uma transmissão não trivial de componentes virais e sensing via TLR7 por parte de pDCs na presença de células infectadas. Adicionalmente, o trabalho oferece ainda um novo papel exercido por partículas virais imaturas que poderiam estar ligadas à regulação da patogênese da dengue através da regulação da produção de IFNα.

Referencias:


  1. Décembre E, et al. (2014) Sensing of Immature Particles Produced by Dengue Virus Infected Cells Induces an Antiviral Response by Plasmacytoid Dendritic Cells. PLoS Pathog 10(10): e1004434. doi:10.1371/journal.ppat.1004434.
  2. Dreux M, et al. (2012) Shortrange exosomal transfer of viral RNA from infected cells to plasmacytoid dendritic cells triggers innate immunity. Cell Host Microbe 12: 558–570.
  3. Wieland SF, et al. (2014) Human plasmacytoid dendritic cells sense lymphocytic choriomeningitis virusinfected cells in vitro. J Virol 88: 752–757.
  4. Takahashi K, et al. (2010) Plasmacytoid dendritic cells sense hepatitis C virus-infected cells, produce interferon, and inhibit infection. Proc Natl Acad Sci U S A 107: 7431–7436.
  5. Lepelley A, et al. (2011) Innate sensing of HIV-infected cells. PLoS Pathog 7: e1001284.
  6. Python S, Gerber M, Suter R, Ruggli N, Summerfield A (2013) Efficient sensing of infected cells in absence of virus particles by plasmacytoid dendritic cells is blocked by the viral ribonuclease E(rns.). PLoS Pathog 9: e1003412.
  7. Perera R and Kuhn R J. (2008) Structural Proteomics of Dengue Virus. Curr Opin Microbiol. 2008 August ; 11(4): 369–377.
  8. Dejnirattisai W, et al. (2010) Cross-reacting antibodies enhance dengue virus infection in humans. Science 328: 745–748.
 

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