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domingo, 27 de abril de 2014

Journal Club IBA: Quebrando o silêncio no fígado


Apesar dos esforços para se erradicar a malária, doença causada por protozoários do gênero Plasmodium e transmitida aos seres humanos por mosquitos do gênero Anopheles, ainda é uma das principais causas de morte por doença infecciosa no mundo, acometendo 500 milhões de pessoas e matando entre 2 e 3 milhões por ano. A infecção é iniciada pela picada de fêmeas infectadas do mosquito, as quais, durante repasto sanguíneo, inoculam a forma infectante do parasita, os esporozoítos. Estes, ao atingirem a circulação sanguínea, são rapidamente transportados para o fígado, infectando os hepatócitos. Nestas células, os esporozoítos se desenvolvem e se reproduzem dando origem a milhares de merozoítos, formas que, por sua vez, infectam os eritrócitos. Enquanto a fase eritrocítica é responsável pelos sintomas característicos da doença, a fase hepática da infecção é clinicamente silenciosa, motivo pelo qual foi determinado  que o Plasmodium era capaz de infectar e se replicar dentro dos hepatócitos sem induzir qualquer resposta imunológica (1 e 2). No entanto, desde 1992, trabalhos começaram a relatar a presença de células inflamatórias no fígado de animais infectados (3, 4, 5). Então, será mesmo que o hospedeiro não detecta o parasita nessa fase do ciclo??
Liehl e colaboradores (6) demonstraram, em um trabalho publicado na Nature Medicine no começo desse ano, que ao contrário do que se pensava, na fase hepática, o Plasmodium não passa “despercebido” pelo hospedeiro. O RNA do parasita é capaz de ativar, no fígado, a via de sinalização de IFN tipo I através do receptor citoplasmático Mda-5. Essa resposta, que é inicialmente gerada nos hepatócitos, precisa da proteína adaptadora Mavs e dos fatores de transcrição Irf3 e Irf7, para sintetizar IFN tipo I. A ligação do IFN tipo I em seu receptor culmina no controle in vivo da infecção, visto que animais Ifnar1-/- possuíam maior carga parasitária no fígado e maior parasitemia. Eis que surge mais uma questão ... Como o IFN tipo I promove a resistência contra P. berghei? De maneira interessante, os autores evidenciaram que, mesmo após o tratamento com DMXAA (ativador de Irf3 e consequentemente indutor de IFN tipo I), os hepatócitos não conseguiam eliminar o parasita in vitro, indicando que, embora as células residentes do fígado fossem essenciais para a propagação da resposta de IFN tipo I, outras células atuariam na destruição do Plasmodium. Como a resposta de IFN tipo I estava relacionada com o estabelecimento de células inflamatórias ao redor de hepatócitos infectados, em uma fase mais tardia da infecção, células da linhagem mielóide (como neutrófilos e macrófagos) foram recrutadas para o local de replicação das formas exo-eritrocíticas, onde restringiriam o crescimento do parasita. Caros leitores, vocês não acham incrível saber que o nosso organismo não é passivo ao estágio infeccioso que ocorre no fígado? E se pensarmos no futuro, imagina que fantástico seria se existissem intervenções terapêuticas as quais pudessem diminuir o número de merozoítos infectantes.
  
1.     Prudêncio, M., Rodriguez, A. & Mota, M.M. The silent path to thousands of merozoites: the Plasmodium liver stage. Nat. Rev. Microbiol. 4, 849856 (2006).
2.     Liehl, P. & Mota, M.M. Innate recognition of malarial parasites by mammalian hosts. Int. J. Parasitol. 42, 557566 (2012).
3.     Khan, Z.M., Ng, C. & Vanderberg, J.P. Early hepatic stages of Plasmodium berghei: release of circumsporozoite protein and host cellular inflammatory response. Infect. Immun. 60,264–270 (1992).
4.     Leiriao, P., Mota, M.M. & Rodriguez, A. Apoptotic Plasmodium-infected hepatocytes provide antigens to liver dendritic cells. J. Infect. Dis. 191, 1576–1581 (2005).
5.     van de Sand, C. et al. The liver stage of Plasmodium berghei inhibits host cell apoptosis. Mol. Microbiol. 58, 731–742 (2005).
6.     Liehl, P. et al. Host-cell sensors for Plasmodium activate innate immunity against liver-stage infection. Nat. Med. 20, 47-53 (2014).

Post de Luciana Veronez e Natália Ketelut (doutorandas FMRP/USP – IBA)

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