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domingo, 2 de fevereiro de 2014

Leaky Gut Theory: A relação entre inflamação gastrointestinal e distúrbios mentais



         
  


          Um dos grandes problemas do tratamento (e até mesmo descobrir as causas) dos distúrbios mentais, tais como esquizofrenia, transtorno bipolar, depressão e ansiedade, é a carência de modelos animais que reproduzam os sinais e sintomas dessas doenças. Apesar de grande esforço por parte dos neurobiologistas e psicobiologistas (tal qual o que vos fala), é muito difícil de predizer com exatidão que determinado comportamento animal é um retrato fiel de um comportamento patogênico específico, tal como a esquizofrenia humana.
               Apesar de décadas e décadas de pesquisas sobre o comportamento animal, pouco se avançou no tratamento psicofarmacológico para esses distúrbios. Além disso, não há marcadores biológicos específicos para eles, somente indicadores que sugerem a patologia. Desde a década de 1990 não se produz um psicofármaco eficiente e de destaque (e somente uns poucos marcadores que se sobrepõem entre os distúrbios), o que faz com que o tratamento seja mais voltado à sintomatologia e etiologia.
              Ao longo dos anos, e principalmente a partir dos anos 2000 (e um boom a partir da década de 2010), inúmeros artigos vêm mostrando que os marcadores para a identificação de distúrbios mentais não se encontram especificamente dentro do sistema nervoso central (ressonâncias encefálicas e dosagem de citocinas e neurotransmissores no líquor), mas também perifericamente. Distúrbios mentais também produzem efeitos em células sanguíneas, tais como células do sistema imune (1). Atualmente, outro marcador inusitado para as doenças mentais seria o processo inflamatório intestinal.
             Estudos mostraram que não é raro encontrar extensiva inflamação do trato gastrointestinal em doentes mentais (Reiter, 1926; Buscaino, 1953, Dohan, 1970). Num estudo com 82 pacientes esquizofrênicos, 50% tinham gastrites, 88% enterites e 92% colites (Buscaino, 1953; Hammings, 2004). Além disso, paciente com distúrbios bipolar e esquizofrenia possuem aumento nos títulos de IgG específica para proteínas do trigo (Dickerson et al., 2010, 2011) e caseína (Severance et al., 2010). Casos semelhantes são vistos em autistas (Mulle et al., 2013; Quigle e Hurley, 2000), doença de Alzheimer (Bhattacharjee e Lukiw, 2013; Holmes, 2013), Parkinson (Weller et al., 2005) e Huntington (Jürgen et al., 2009). O aumento de sinais e sintomas depressivos é acompanhado por um aumento de IgA ou IgM plasmática contra várias bactérias, tais como pseudomonas, klebsielas e proteus (Maes et al., 2008; 2012). Atualmente o mais novo indicador da esquizofrenia é um aumento de IgG plasmática para S. cerevisiae (Severance et al., 2012). Mas por que o aumento da permeabilidade intestinal (via inflamação) poderia aumentar o risco de distúrbios mentais?
                Nosso organismo produz naturalmente anticorpos (IgA e IgM – que se mantêm contidos no sistema digestório) contra substâncias e patógenos lesivos ao organismo, tais como o LPS bacteriano e certos microorganismos. Em condições normais, as células imunes não se comunicam diretamente com compostos e microorganismos do trato gastrointestinal. Porém, durante um processo inflamatório intestinal, o aumento na permeabilidade da parede intestinal desloca bactérias e seus compostos para os linfonodos mesentéricos e/ou a circulação sistêmica (Berg & Garlington, 1979; Wiest & Garcia-Tsao, 2005). A partir daí, a resposta de anticorpos passa do sistema digestório para o circulatório, aumentando-se seus níveis na corrente sanguínea, primando células do sistema imune e ocasionando a produção de citocinas pró-inflamatórias (Maes et al., 2012), as quais podem levar a produção de distúrbios mentais, tais como depressão (Del`Osso et al., 2013), esquizofrenia (Fineberg e Ellman, 2013) e transtorno bipolar (Stertz et al., 2013). E essas mesmas citocinas podem levar ao afrouxamento da barreira hemato-encefálica e intestinal (Clark et al., 2005; Chaves et al., 1999; Yang et al., 2003), levando a um ciclo de retroalimentação. Portanto, a incapacidade do organismo em digerir alguns alimentos faz com que ocorra a inflamação no intestino, translocando bactérias para a circulação sistêmica, causando inflamação e, consequentemente, distúrbios mentais. Em neuroimunologia isso é atualmente denominado de leaky gut theory ("intestino que vaza").
         A leaky gut theory é nova e ainda muito controversa, mas intrigante. Talvez até a dieta alimentar possa influenciar nossos estados mentais (Horrobin, 1992; Ross-Smith & Jenner, 1980; Hibbeln & Salem, 1995), servindo de complemento aos tratamentos medicamentosos dos distúrbios mentais. E a ligação entre esses dois superssistemas (digestório e nervoso) pode ser nada mais, nada menos, que o bom (mau?) e velho (novo?) sistema imune.

Post de Gabriel Shimizu Bassi (FMRP-USP)

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