BLOG DA SOCIEDADE
BRASILEIRA DE IMUNOLOGIA
Acompanhe-nos:

Translate

domingo, 17 de março de 2013

Journal Club IBA: Seja bem-vindo ao “microgenderome”



Um dos assuntos que têm sido bastante discutidos na ciência atual é a microbiota e sua interação com o hospedeiro. Vários trabalhos têm demonstrado a importância da microbiota na fisiologia normal ao auxiliar processos como angiogênese, digestão, manutenção da homeostase epitelial, no metabolismo de gorduras, na resistência à infecções, entre outros. Por outro lado, alterações da microbiota também têm sido relacionadas com o desenvolvimento de doenças, como doença inflamatória intestinal, asma e diabetes (1).
Uma das evidências da importância da microbiota no sistema imune surgiu a partir de estudos utilizando camundongos germ-free, nos quais foram observadas diminuição das Placas de Peyer e linfonodos mesentéricos, além de menor quantidade de linfócitos T CD4 e T CD8 no intestino, alterações que contribuem para maior suscetibilidade ou não destes animais ao desenvolvimento de doenças (2). Outra observação que destaca a importância da microbiota é a relação da hipótese da higiene e o aumento na incidência de doenças auto-imunes nos países desenvolvidos. As doenças autoimunes possuem causas multifatoriais e desenvolvem-se como resultado de fatores genéticos e ambientais que modulam a resposta imune do indivíduo. Em várias doenças autoimunes, como no lúpus eritematoso sistêmico, observa-se maior incidência em mulheres do que em homens, o que chama atenção para diferenças na resposta imune quanto ao gênero e a importância dos hormônios nessa resposta. No comentário recentemente publicado na Science (3), os autores fazem referência a essa diferença conforme o gênero que também pode ser notada na composição da microbiota do indivíduo, por isso o termo “microgenderome”.
Em um artigo relativamente simples (4), mas muito conceitual, Markle et al. demonstraram o efeito da relação bidirecional da interação entre hospedeiro e microbiota com a suscetibilidade ao desenvolvimento do diabetes mellitus do tipo 1 (T1D). Mais especificamente, a proteção do T1D foi perdida em camundongos NOD machos quando são expostos às condições germ-free, sendo este fenômeno associado à redução dos níveis de testosterona sistêmica. Ainda, de modo impressionante e revelador, é mostrado no trabalho que em camundongos NOD machos, agora em condições SPF (Specific Pathogen Free), o período de maturação sexual promove mudanças drásticas na composição da microbiota em relação às NOD fêmeas e, que consequentemente, perduram até a idade adulta e são associadas com a maior incidência de T1D em fêmeas. 
Por meio de manipulação da microbiota por gavage de componentes cecais, os efeitos protetores da microbiota comensal no desenvolvimento do T1D podem ser transferidos de NOD machos para fêmeas que ainda não passaram pela maturação sexual, associados ao aumento dos níveis de testosterona em fêmeas receptoras, além de um perfil de componentes do metabolismo dependente de testosterona. O efeito protetor da manipulação da microbiota é comprometido quando NOD fêmeas submetidas à gavage são simultaneamente tratadas com bloqueadores do receptor de andrógeno, o que possibilita reiterar o papel protetor da testosterona no desenvolvimento do T1D neste modelo experimental. 
Assim, estas observações são pioneiras na demonstração de interações entre a microbiota e produção de hormônios. Como mostrado no trabalho, elas podem alterar a suscetibilidade e o curso de uma doença inflamatória. Porém, quando extrapolamos estes dados para seres humanos, devemos refletir um pouco neste aspecto, pois sabemos que a manipulação da microbiota em humanos é muito limitada e pode ter vários efeitos adversos. Deste modo, ainda é difícil imaginar uma estratégia terapêutica viável a partir destes dados. 


 Figura 1. Esquema representativo da interação entre microbiota, gênero e doença (Flak MB et al., 2013)


Post de Luana Soares e Raphael Sanches Peres – IBA FMRP/USP

Comente com o Facebook :

Nenhum comentário:

Postar um comentário

©SBI Sociedade Brasileira de Imunologia. Desenvolvido por: